Crônica | Um convite à morte (em vida)

Fique tranquilo. Este não é um conjunto de palavras sobre a morte. Mas, sim, meu pacto cada dia mais fiel com a vida.

Chego à conclusão que, para que haja espaço para nossa existência – aquela extraordinária no ordinário do dia a dia – é preciso que matemos pessoas, lugares, relações, padrões, roupas e sapatos. Esses dois últimos carregam em si todos os outros excessos que tenho me proposto a matar cada dia mais um pouco.

A morte física de alguém cumpre o papel de dar fim àquela vida, mas me parece injusto com ela – com a morte – esperar dela a resolução de todas as nossas frustrações, mágoas, arrependimentos, desejos não vividos. Para que honremos a vida de maneira adulta, plena e consciente deveríamos passar pela faculdade de “como não sentir culpa”. Palavrinha pequenina – com perdão pela redundância – mas que causa estragos enormes. Deveria vir na bula de nascimento o efeito colateral por sentir culpa ao assumirmos exatamente o que queremos para si. Isso inclui excluir (a vida e seus opostos complementares!), dizer não, dar fim. E seguir. Com a mesma paz que sentimos quando nos livramos do sapato apertado que insistimos em usar. Menos quase sempre é mais.

Outro diz escrevi num post de balanço do ano que findava que “é tão bom morrer e continuar vida, me dou as boas vindas”. Drummond é sacudido da sua paz eterna toda vez que lembramos do que ele escreveu sobre o ano novo. Até quando e por que esperar janeiro chegar para sentir-se e ser outro?

Tão obvio enxergar que, ao cessarmos com relacionamentos, padrões e posturas que não fazem mais sentido para nós, a vida de alguma maneira morre e o renascimento é imediato, vem tudo junto e misturado. Vai doer? Muito. Vale à pena? Mais ainda. O saldo dessa morte vivida é algo que nos transforma para sempre.

E eu desejo viver muitas mortes ainda, bem viva. De maneira que, quando o fim neste planeta chegar, eu esteja bem mais viva do que quando eu nasci.

(Crônica publicada no Jornal A Tarde, Salvador/BA, em 31.01.25).

 

Um abraço,

Mariuche ismerim

CEO | HOYO Brand

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Sara Sarar. Verbo sinônimo de curar, cicatrizar, recuperar. Sara. Nome próprio sinônimo de cicatriz, cura.

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